"ESTE DIA E OS 6M29 VÃO FICAR PARA A HISTÓRIA"

É a sombra do apuramento olímpico do «2x» e a prova de que os homens também choram. Eduardo Oliveira, antigo remador da Selecção Portuguesa, foi o treinador que durante quatro anos elaborou o plano de treinos que permitiu a Pedro Fraga e a Nuno Mendes qualificarem-se para os Jogos Olímpicos. Com um mestrado em Ciências do Desporto e a tirar o pós-doutoramento, este técnico do Sport revela alguns segredos do treino do «2x», comenta o «carrocel» da preparação ao longo do ciclo olímpico e, com as emoções ao rubro (e o telemóvel sem bateria após tantas chamadas e mensagens de felicitação), afirma convictamente: "Com o Pedro e o Nuno tudo é possível".

Como é que o apuramento foi possível?
Em 2004, estes atletas, que já tinham um passado desportivo bom, tomaram como principal objectivo o apuramento olímpico em 2008. Começaram logo aí com uma determinada organização e um planeamento a curto e a longo prazo. Este planeamento teve por base a criação de objectivos a curto e longo prazo e valores de referência, neste caso físicos e fisiológicos. Foram pontos de referência ao longo de cada época nestes anos. Estes critérios foram sempre avaliados ao longo deste processo de treino para alcançar os mínimos olímpicos.

Esse modelo de treino foi, por vezes, criticado por ser diferente dos moldes habituais...

Não vamos dizer que criámos os métodos de treino, não inventámos nada. Fomos buscar o que já se faz em algumas modalidades desportivas, algumas metodologias de treino e também de recuperação, em que investimos muito. Se recuperarem mais rápido,
podem treinar mais vezes ou com mais intensidade. Não inventámos nada, fomos apanhar coisas boas que já vinham a ser feitas até 2004 e demos-lhes continuidade, introduzindo novos conceitos de treino, que certamente já têm sido abordados noutros países, de outras modalidade desportivas, sobretudo individuais. Não é uma inovação, não descobrimos nada, apenas o adaptámos aos atletas.

Como é que trabalharam a parte mental?
A performance tem uma explicação multifactorial. Tem uma componente
física, uma técnica, uma táctica e uma mental. São as quatro grandes componentes, cada uma delas a subdividir-se noutras. A componente mental começou logo em 2004, quando eles próprios intrinsecamente decidiram que o objectivo era alcançar o apuramento olímpico. Ao longo do processo, foram feitas determinadas adaptações, que ajudaram muito à estabilização mental dos atletas. O apuramento também só foi possível porque as famílias do Nuno e do Pedro lhe deram o apoio incondicional ao longo de todo este processo. Isso foi fundamental, conheço os pais do Pedro e os pais do Nuno e dou-lhes os parabéns por terem acreditado sempre neste processo.

Este processo foi um «carrossel» de emoções, com o ponto alto a ser a medalha de prata nos Sub-23, em 2005, e o mais baixo a ser a exclusão da Selecção, há cerca de um ano, alegadamente por se recusarem a trabalhar no Pocinho. Foi uma opção sua enquanto treinador?

Não, nem gosto de ver as coisas nessa perspectiva. Em tudo na vida temo
s pontos altos e baixos. No plano desportivo, isso também acontece. Por isso mesmo é que eles agora se apuraram para os Jogos Olímpicos, conseguiram aprender, tanto eles como todas as pessoas que os rodeavam, com as coisas que correram mal e, de uma certa forma, aproveitar as coisas que correram bem. O que aconteceu e é de enaltecer é que o Nuno Mendes esteve, nestes quatro anos, a estudar no ensino superior sem chumbar qualquer ano, está a terminar o curso. Teve sucesso escolar e conseguiu o apuramento para os Jogos Olímpicos. O Pedro também teve sucesso, acabou o curso e depois abdicou do trabalho para se dedicar exclusivamente ao apuramento para os Jogos, foi nitidamente uma aposta ganha. Isto só revela a organização que eles têm para conseguir conciliar os estudos com os treinos. Não é impossível, mas dou-lhes os parabéns porque não está ao alcance de qualquer um.
O Pocinho teve a ver com as questões profissionais e de estudos. Eles iam para o Pocinho, é errado dizer que nunca foram, mas por várias vezes, com a colaboração da Federação Portuguesa de Remo, não foram ao Pocinho para conseguirem conciliar os estudos com os treinos. A deslocação era demasiadamente prolongada e afectava não só os treinos como a recuperação. Desta forma, houve momentos em que não foi possível irem ao Pocinho. No final, o resultado é que vão aos Jogos Olímpicos e tiveram sucesso escolar, é de enaltecer.

Este apuramento vai permitir aos atletas serem integrados nos projectos do Comité Olímpico de Portugal (COP). Este primeiro passo vai permitir que haja em Portugal remadores profissionais?
Vou ser muito sincero, não sei responder porque não conheço o processo em termos formais. Neste momento, ter remadores profissionais não é o mais importante. O Pedro e o Nuno é que têm de responder, mas eu sei que lhes interessava. Eles adoram o remo, gostam muito e a motivação intrínseca que têm é muito grande. O dinheiro não os move. A prova disso é que este ano lhes retiraram os apoios e eles não baixaram os braços.


Isso só reforça a minha pergunta. Se sem apoios conseguiram o apuramento olímpico, até onde podem ir se forem apoiados?
É uma opção que parte deles e o clube e quem os acompanha vai apoiá-los em qualquer decisão que tomarem. Têm todas as capacidades, neste momento, para continuar a melhorar os objectivos, se continuarem a dar continuidade ao trabalho que têm desenvolvido. Têm 24 e 25 anos de idade, são muito novos.

Os Jogos Olímpicos estão quase aí à porta. Como vai ser o trabalho até lá?
Tenho uma ideia, mas não posso revelar, porque não sei o planeamento das viagens, nem o processo. O COP deve definir as viagens, locais de treino…

Pode o COP arranjar acreditações? O Jorge Cardoso (treinador do Sport) foi a Poznan apoiar os atletas, mas não teve acreditação. É possível ter um treinador do clube a apoiar os remadores, à semelhança do canoísta Emanuel Silva, que só trabalha com o treinador José Sousa?

Acredito que a Federação Portuguesa de Remo não tenha arranjado uma acreditação por não ter sido possível. Pela estabilidade emocional, acompanhamento físico, técnico e táctico, as quatro grandes componentes, fazia sentido o treinador que esteve lá ter uma acreditação. Para os Jogos Olímpicos, muito sinceramente, não sei o que vai acontecer. Gostava muito que isso fosse possível, mas não conheço esse processo, não sei como ser. Gostava muito de ir, mas, acima de tudo, fico é satisfeito pelos atletas. Estou profundamente emocionado com o que lhes aconteceu hoje. Foi histórico, deve ficar escrito que foi para a história. Este dia e os 6m29 que fizeram hoje serão sempre lembrados no remo e no desporto português. Foi fenomenal.

Fenomenal é um bom adjectivo para a ponta final do «2x». O que permite aguentar uma voga a 45?
Há inúmeros motivos para explicar a ponta final. Volto às quatro grandes componentes: física, mental, técnica e táctica. A boa ponta final deles já vem de antes de 2004. O nosso lema foi sempre aperfeiçoar os pontos fortes e melhorar os fracos. Sempre tiveram uma largada forte, mas os adversários eram mais rápidos nos primeiros 500 metros. Pelo perfil «deles, sempre conseguiram fazer uma prova de trás para a frente. Durante o processo todo que tivemos, tentámos melhorar a largada, para perderem o mínimo de tempo possível, e depois o treino consistiu muito em aperfeiçoar determinadas capacidades físicas para melhorarem a ponta final, o que deu resultado. A imagem de marca deles é esta, é o perfil deles e alterá-lo pode ser uma estratégia errada. Já são conhecidos a nível mundial por terem esta característica.
O objectivo de uma prova é fazerem os 2.000 metros no melhor tempo possível, independentemente de largarem bem ou mais lento. Temos de explorar isso ao máximo. Mentalmente, estão preparados para andarem atrás e recuperarem. O treino tem que ter isso em consideração.

Confesse: aos 1.500 metros, ainda acreditava que era possível ultrapassar quatro equipas?
Com o Pedro e o Nuno tudo é possível.

Fotos: Ricardo Cardoso

6 comentários:

Super disse...

Grande Eduardo.
Até nesta entrevista estás a ser politicamente correcto. O que vale é que quem conhece os meandros deste nosso remo sabe ler nas entrelinhas.
Parabéns pelo teu trabalho. A vitória também é tua.

....Ricardo Pinto disse...

Parabéns a todos e um abraço especial para o Eduardo.
Bem Hajam!!..

Anónimo disse...

Este resultado brilhante, a forma como foi conseguido e o trajecto humilde esforçado e digno destes portugueses demonstra o seu perfil honrado e o empenho que a equipa do Sport Club do Porto lhes soube prestar. Infelizmente, a Federação de Remo, ao longo do tempo, mais pareceu que teria gostado de não ter ninguem nos Jogos Olimpicos. Não nos esqueceremos do seu mérito e de quem só lhes tem provocado dificuldades. Paulo Barros Vale

Anónimo disse...

Paulo Barros Vale: é um orgulho para mim, como jornalista, ter aprovado o seu comentário. É a primeira vez que o presidente de um clube se manifesta neste blogue, que acaba de cumprir três meses de existência.
Obrigado por nos dedicar atenção.

Anónimo disse...

Eduardo com um E Grande!!!!!
Fizeste um excelente trabalho e eu tendo o prazer de te conhecer pessoalmente digo e repito que foi bem merecido e que és uma pessoa fantastica!
Tu tb iras ficar para a história!!!
beijinhossssssssss

Anónimo disse...

Parabéns a todos! Contra ventos e marés os remadores vão fazendo ver o que realmente é importante!