Pedro Fraga (PF) e Nuno Mendes (NM) recolocaram Portugal nos Jogos Olímpicos, pondo fim a uma ausência de 12 anos. A dupla do Sport Club do Porto confessa que a tarefa não foi fácil, tanto mais que o doublescull ligeiro foi por duas vezes excluído da Selecção durante este ciclo de quatro anos.
Notas: 1) Devido ao conteúdo da entrevista, a aprovação dos comentários, sobretudo anónimos, terá uma elevada exigência.
2) Para evitar mal-entendidos sobre o título ("Fomos usados..." está gramaticamente no passado), optámos por escolher um diferente do que foi publicado no ND.
O apuramento olímpico ficou marcado pelos últimos 250 metros da final, em que ultrapassaram quatro equipas para subir do último ao segundo lugar. Sempre foram fortes na ponta final, mas cumpriram três regatas (repescagem, meia-final e final) a terminar com voga a 45, o que surpreendeu a nível internacional. Como é que tornaram isso possível?
NM – Com muito treino ao longo destes quatro anos. Não foi deliberado, nos últimos tempos o que temos trabalhado mais é a parte inicial. Nos segundos 1.000 metros, especialmente os últimos 500, já temos vindo a mostrar que somos bastante fortes e que recuperamos sempre alguns lugares. O que temos trabalhado essencialmente neste último ano, visto que no passado se veio a afirmar mais esta nossa característica de fazer a prova de trás para a frente, foi centrado na parte inicial. Os últimos 500 não tinham problema, andávamos tanto ou mais do que as equipas internacionais. É uma característica nossa, chegamos ali e conseguimos dar tudo. Demonstra boa preparação, mas não fizemos trabalho específico para isso.
Começaram a trabalhar juntos há quatro anos, conquistando uma medalha de prata no Campeonato do Mundo de Sub-23. Assumiram logo então que iam trabalhar para a qualificação olímpica em 2008. O que vos levou a acreditar que conseguiam?
PF – O sonho de qualquer remador é participar nos Jogos Olímpicos. Independentemente do resultado, todos temos essa ambição. Em 2004, conseguimos destacar-nos nos Sub-23, fomos a segunda melhor equipa do Mundo, situação que se repetiu em 2005. Isso abriu perspectivas quer para 2008, quer para 2012, de uma participação olímpica. As equipas que são campeãs do Mundo em Sub-23, passados quatro ou oito anos, acabam por se destacar como seniores das principais nações. Nós corríamos contra essas nações e, nessa altura, víamos que estávamos inseridos nesse grupo que podia aspirar a conseguir a qualificação. Em 2006, as coisas não correram tão bem, mas acreditámos sempre.
A vossa preparação não foi fácil e teve momentos bastante conturbados, chegando a ser excluídos por duas vezes da Selecção. Que aconteceu realmente na primeira vez?
PF – Foi logo quando a Federação ganhou as eleições. Nós estávamos com um método de trabalho que vinha de trás, com pouco tempo, mas que tinha alguma continuidade. Trabalhávamos com o [treinador José] Velhinho e já tínhamos um plano para 2005 e 2006. Quando a Federação entrou, quis um pouco alterar essa situação. Não houve continuidade no projecto, o Velhinho foi-se embora e veio o [José] Santos. Nunca houve grande abertura para continuarmos a trabalhar naquela tranquilidade. Existiu, sim, uma forma de tentar implementar tudo de novo e não aproveitaram o trabalho que existia, não era muito mas estava a ter frutos. A Federação implementou o projecto que queria, mas não conseguiu, se calhar, ir ao ponto a que queria, pois já havia uma planificação e tiveram que nos levar aos Sub-23. Porém, devido aos resultados, as coisas ficaram sanadas. Em 2005, ficámos com as portas abertas para trabalhar em 2006, devido ao segundo lugar [no Mundial]. Esse ano de 2006 não correu tão bem, a qualidade de trabalho não foi a melhor, apesar de termos começado bem. Fomos à Taça do Mundo e foi a primeira vez que Portugal teve uma equipa na final A num barco olímpico, mas foi uma aposta nossa e do Sport Club do Porto, porque a Federação disse logo que só íamos à última Taça do Mundo. Falámos no clube e dissemos que era importante fazermos duas Taças do Mundo, pelo menos. A época começa em Setembro, Outubro, e nós íamos competir internacionalmente em Julho para, passado um mês, irmos ao Campeonato do Mundo! O clube financiou, fomos à Taça do Mundo e fomos à final A. A partir daí, as coisas não correram tão bem.
E na segunda vez?
NM – No ano passado, trabalhámos um pouco à parte devido, sobretudo, à profissão do Pedro, que era professor em Montemor-o-Velho, o que nos permitia treinar na pista. Começámos a trabalhar sem acompanhamento na água, sozinhos na pista, e foi quando surgiu o treinador Rob de Rooij [da Naval 1.º Maio], que nos começou a dar uma ajuda a nível técnico e nos acompanhou até ao Campeonato do Mundo, em colaboração com o Eduardo e o clube. Fizemos uma boa classificação, ficámos a dois lugares do apuramento, o que nos abria excelentes perspectivas para o último ano, e fomos informados (não estávamos à espera) de que não contavam connosco para 2008, porque estávamos desenquadrados do trabalho da Federação. Disseram que o resultado não era fruto da Federação e, por isso, não queriam gente que não trabalhava com eles, pois não podiam assumir esse resultado, pelo que nos iam excluir. Ficámos abalados, falámos com o clube quando regressámos e tentamos resolver da melhor maneira, em reuniões com a Federação, até conseguirmos um acordo. Devido ao estágio do meu curso, em que fiquei a dar aulas numa escola da zona do Porto, conseguimo-nos libertar um bocado do trabalho do Pocinho e trabalhar junto ao clube. Propusemo-nos ir a alguns estágios e a trabalhar com ele, o que nos deu um pouco de estabilidade para treinarmos com o clube, o Eduardo e o Rob, que foram as pessoas que nos acompanharam a 100 por cento. Tudo isto acabou por ser concluído com o apuramento.
Ficaram sem apoios nessa altura?
PF – Em 2006, como não tivemos resultados no Campeonato do Mundo, cortaram-nos a bolsa para 2007. Tiraram-nos tudo – o estatuto, os ergómetros… – e canalizaram tudo para o «4-» pesado e o «2x» feminino ligeiro. Compraram um barco de cada e criaram as condições todas, foram os que entraram no projecto para Pequim e a nós puseram-nos um pouco à margem. Foi aí que o Sport decidiu que íamos fazer essa Taça do Mundo e, como caiu o sexto lugar para Portugal, deu entrada directa para o nível três do Projecto Olímpico. Desse bolo vem uma fatia para nós, outra para o clube e uma muito grande para a Federação. A partir daí, fomos outra vez usados. Deixaram-nos trabalhar, a ver o que dava, e recebiam os apoios sem investirem em nós. Fomos ao Campeonato do Mundo e não conseguimos o apuramento (por dois lugares), surgindo outra vez a mesma situação. Não havia perspectivas de renovar a bolsa e mandaram-nos embora, enquanto o «4-» e o «2x» feminino foram ao Campeonato da Europa. Nós perguntámos por que não iam e disseram que não, que só iam esses barcos. Como a Federação não conseguiu resultados, voltou outra vez atrás e abriram o jogo connosco. Nos momentos mais importantes, fomos sempre marginalizados.
Já referiram o treinador Rob de Rooij, que nestes dois anos teve de se esconder para não ser visto pela equipa técnica nacional a treinar-vos. O que motivou tal preocupação?PF – Em 2007 não foi às escondidas, não estava proibido de nada. Começou a trabalhar comigo, visto que estava a estagiar lá na escola, e como me viu sozinho começou a ajudar-me. Quando o Nuno ia lá abaixo, ele via a mesma miséria, dois atletas sozinhos a treinarem sem a mínima orientação, e prestou essa colaboração, mas nunca às escondidas. Nunca foi assumido, mas a Federação também nunca disse que não podíamos treinar com ele. O Alberto, que era o treinador, esteve sempre disponível. Chegou-se ao Campeonato do Mundo e puseram-lhe um processo, tal como ao senhor Jorge [Cardoso], por o Rob estar lá na pista de Munique, quando ele foi a custas próprias. A Federação passou por ele várias vezes e ninguém lhe disse que não podia estar ali, mas quando o resultado não foi atingido começaram a disparar para todo o lado. A partir daí, as coisas tiveram que ir por outro caminho.
Temos também o caso da não-acreditação de um treinador do clube, fosse ele o Jorge Cardoso ou o Eduardo Oliveira, para vos acompanhar na regata de qualificação olímpica. Tendo trabalhado com eles durante quatro anos, como encararam a «ausência» (visto que o Jorge e o Rob acabaram por ir a expensas próprias) de um técnico/amigo no momento mais importante?
NM – Não foi muito sentida porque ambos se deslocaram à Polónia. O único momento em que não estivemos juntos foi na zona dos barcos, porque nós conseguimos ter uma zona, fora do recinto, onde nos encontrávamos. Eles davam-nos todo o apoio, tínhamos o contacto frequente com eles. Sentimos sempre o conforto de ter lá o sr. Jorge e o Rob.
Sabe-se já que o Sport vai «negociar» com a Federação a presença de um treinador para vos acompanhar em Pequim. Estão dispostos a recorrer até ao COP ou ao COI para assegurar a presença de um técnico do clube convosco?
PF – Essa situação de ter lá o nosso treinador seria mais favorável, se acontecesse qualquer coisa seria resolvido mais rápido, mas não é algo tão grave ou fundamental para se recorrer dessa forma. Apurámo-nos um bocado tarde, há coisas (acreditações, trajes…) que já estão combinadas há alguns meses e que não sei se podem ser alteradas agora. Não é algo que nos preocupe, mas não compete à Federação, tem a ver com o Comité Olímpico, deve querer levar funcionários da Federação. Agora, se pudesse ser, seria óptimo.
Como está a relação com o DTN José Santos?
Conflitos não há. Quando temos algum problema, conversamos e as coisas têm-se resolvido de forma serena.
Houve alturas em que o próprio barco foi problema?
PF – No início deste ano, antes do Sport comprar o barco, fizemos a proposta para a Federação comprar um barco. Estávamos a remar num barco de 2001 ou 2002, que já fez muitas regatas. Como se viu na qualificação, é tudo decidido à décima ou centésima de segundo e um barco com uma estrutura actual faz a diferença. A resposta foi negativa, disseram que o nosso barco estava bom, mas compraram o «4x» que não utilizaram, o «4-» para meia época e o «2x» para as femininas que não teve utilidade. Nós ficámos um bocado revoltados com isso, parece que há mais na Federação para contribuir e não o fizeram. Mas, pelo menos este ano, não atrapalharam.
O Eduardo Oliveira já estabeleceu o programa de treinos até Agosto?
NM – Já deve ter definido a preparação toda. Esta foi uma semana mais de descanso, com treino de recuperação. A partir de agora, devem vir as semanas de carga para preparar os Jogos.
Em 1996, o «4-» de João Fernandes, António Fernandes, Henrique Baixinho e Samuel Aguiar foi 15.º classificado. Qual o lugar que deve atingir o «2x»?
NM – Vamos fazer tudo por tudo para entrarmos nos 12 primeiros, ou seja, ir à semi-final. A final A provavelmente será muito difícil, mas a partir da meia-final vamos tentar fazer o melhor possível.
No jantar de homenagem que decorreu quando regressaram de Poznan, o seccionista do Sport pediu medalhas para 2012. Já começaram a pensar nos Jogos de Londres?
PF – Não, estamos a pensar só em recuperar até aos Jogos. Temos de fazer uma boa preparação para tentarmos ir até às meias-finais. Depois, teremos de ir passo a passo. Em 2009, uma boa participação no Campeonato do Mundo, em 2010 consolidar um lugar nas equipas de topo e 2011 ir outra vez para a guerra do apuramento. Só na altura poderemos pensar nisso, consoante a forma em que estivermos.
É público que te desempregaste para te dedicares ao apuramento. Conseguida a qualificação, já começaste a procurar emprego?
PF – Estou com perspectivas de arranjar alguma forma de ganhar algum dinheiro. Espero vir a ter, com o Nuno, uma bolsa olímpica para trabalharmos nestes quatro anos. Os atletas todos que iam tentar o apuramento tiveram bolsa e nós não tivemos nada durante um ano e conseguimos. Há aqui qualquer coisa que está errado, houve atletas [de outras modalidades] que tiveram apoio e não conseguiram e outros que não tiveram e conseguiram. Essa situação tem que ser corrigida. Para o ano, dependentemente da disponibilidade, vou tentar encontrar qualquer coisa na minha área, educação física, mas também me escrevi num mestrado.
Estando no último ano do curso e tendo de elaborar o relatório de estágio, como conciliaste a profissão e o remo?
NM – Fui professor durante um ano e ocupou-me algum tempo, com planeamento das aulas e avaliações. O relatório de estágio foi uma das tarefas que fiz durante o apuramento, nos tempos livres. Enviei-o precisamente na véspera da final. Ainda não saíram as avaliações, mas dei o melhor que pude e tanto o orientador como a supervisora ficaram contentes com o meu trabalho (assim como com o resultado desportivo), por isso conto com uma boa nota. Espero continuar a dar aulas no próximo ano, mas não é fácil concorrer e ficar a dar aulas nos primeiros anos. Se calhar, vou ter que arranjar outro emprego.
O remo português já não se qualificava para os Jogos Olímpicos desde Atlanta 1996. A que se deveu este hiato?
PF – Não posso falar da forma que se trabalhava em1992, 96 ou 2000, só de como se trabalhou (e falo por mim) a partir de 2001 e 2002. Até 2004, quando também tentei a qualificação, faltou apostar na continuidade das equipas. Acontece nas modalidades todas, há muita pressa, muita vontade de ter resultados a curto prazo. O remo português não tem um sistema implementado que permita a um júnior entrar nos seniores e já vir com uma preparação para, em um ou dois anos, tentar uma qualificação olímpica. Se calhar, tem que haver um esforço dos clubes e das associações para se trabalhar diariamente com esse objectivo. A Selecção não tem condições para estar um ano em estágio, como outras com que competimos agora no apuramento, cujos atletas têm uma bolsa mensal e um emprego, estatal e que não exercem (são polícias ou guardas-florestais), para terem um futuro assegurado em qualquer eventualidade. Isso permite-lhes treinarem durante o ano todo, embora possam ser de locais diferentes. Nós não temos condições económicas para isso, se calhar a solução é a forma como nós trabalhámos: diariamente no clube e, quando der, ir a estágio. O trabalho e acompanhamento diário, durante o ciclo, são fundamentais para consolidar os resultados. Há momentos em que damos um salto e é nessas alturas que crescemos, não é ir 15 dias em estágio a treinar intensamente para ser espetado numa competição contra atletas com oito ou dez anos de carreira. Isso só desmotiva o atleta. Para Portugal ter um nível internacional superior, é preciso apostar nos clubes e nas associações, se calhar deslocar um ou outro atleta para trabalhar ou estudar noutro local, mas com estabilidade para que o atleta continue com a carreira profissional ou académica.
"VAMOS FAZER TUDO PARA IR À SEMI-FINAL"
Fotos: Rob de Rooij/Teresa Cardoso
Publicada por JMR à(s) 28.6.08
Etiquetas: Remo, Selecção, Sport Club do Porto
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2 comentários:
Caro Joao, parabens pela entrevista e pelo blog (as visitas ao ND online devem andar a baixar!?!). Espero que continues a trazer nos muitas informacoes. Na minha opiniao, este tipo de projectos ajudam em muito o desporto. Pois mantem e aumentam o interesse no remo, for a de agua. Abracos estevao
Sem rodeios e sem papas na língua.. o estado desta federação merece ser analisado com frontalidade e com a convicção de que é necessário alterar o estado das coisas.
Keep on going!..
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